sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sobre os atentados, a crise no sistema prisional e a política penitenciária do governo Colombo. Parte 1


1. O Estado de Santa Catarina vive em estado de choque desde o último dia 30 de janeiro de 2013 com mais uma série de atentados praticados pelo crime organizado. Até o dia 15 de fevereiro as fontes oficiais já contabilizaram 100 ataques a ônibus e unidades de segurança, distribuídos em 30 municípios, com destaque para as cidades de Joinville e Florianópolis, que registraram o maior número de ocorrências (15 e 14 respectivamente), mas também para a difusão dos ataques pelas cidades do interior do estado. A primeira reação das autoridades da segurança pública foi apresentar os novos atentados como fatos isolados, sem relação com os 69 ataques registrados no mês de novembro de 2012, que tinham o mesmo perfil e cuja organização desde o interior das unidades prisionais foi atribuída à facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC). Contudo, a evolução dos acontecimentos mostrou que não estamos diante de uma questão isolada de segurança pública, mas de uma crise que tem novamente seu estopim no sistema prisional. E mais: que a presente crise está sim conectada com os fatos do último mês de novembro, sendo a continuidade de uma situação que se arrasta no interior do sistema prisional catarinense desde o final de 2012.
2. Trata-se de uma situação que vem sendo acompanhada pela Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina, a partir da atuação no Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, cujo foco tem sido a organização dos familiares de presos da Penitenciária de São Pedro de Alcântara em torno de suas reivindicações coletivas. Foi na reunião mensal do grupo do dia 31 de outubro de 2012 que tivemos conhecimento do tensionamento interno existente entre os presos e a administração da penitenciária, quando, ao lado do relato das inúmeras privações e restrições por que passam cotidianamente os presos e seus familiares, diversas esposas e mães manifestaram o temor de represálias aos presos com a volta ao exercício do Diretor Carlos Alves apenas duas semanas após o assassinato de sua esposa. A morte da agente prisional Daisy Alves foi atribuída pelas autoridades policiais às lideranças da facção criminosa PGC, presos em São Pedro de Alcântara à época. O endurecimento do tratamento, com incursões violentas nas celas, logo nos primeiros dias da volta do Diretor foi seguido de um incidente com um preso que resistiu e tentou enfrentar os agentes, que, interpretado como início de motim, serviu de justificação para a suspensão das visitas de familiares e advogados no dia 07 de novembro de 2012. Impossibilitada toda comunicação com o mundo externo num contexto de tensão como o que se verificava, os familiares de presos foram tomados pelo pânico e pelo temor pela integridade física dos presos. A saída encontrada pelo Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade foi a mobilização política e pacífica, com uma vigília de uma semana em São Pedro de Alcântara e atos de rua em frente ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao Fórum de São José e à Secretaria de Justiça e Cidadania, colocando na cena pública a denúncia de tortura e solicitando às autoridades a realização imediata das inspeções que posteriormente deram origem ao inquérito policial ainda em curso com 69 laudos de violência física e ao relatório da Ouvidora Nacional do Sistema Penitenciário. Quando as mobilizações pacíficas começaram ter seus primeiros resultados, com a ampla inspeção realizada nos dias 13 e 14 de novembro pelo Juiz da Vara de Execuções Penais e pelos representantes do Ministério Público Estadual, teve início a onda de ataques na noite do dia 13 de novembro de 2012, num misto de protesto e demonstração de força por parte da facção criminosa. A partir desse momento, o cenário das ruas tornou-se perigoso demais para a continuidade das mobilizações e para a própria segurança física de seus integrantes, o que forçou a mudança de cenário da luta para o terreno institucional.

3. A luta para dar conseqüência às conquistas da mobilização avançava, a partir de então, no lento ritmo das autoridades catarinenses. Com a presença de atores como a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e a Ouvidoria Nacional do Sistema Penitenciário, foram arrancados alguns compromissos importantes da Secretaria de Justiça e Cidadania, como a criação de um Observatório Catarinense do Sistema Prisional com participação paritária de Estado e Sociedade Civil, a implementação de um protocolo para o controle do uso de armas não letais pelos agentes prisionais, uma política de comunicação das transferências de presos com as famílias, etc. Em termos práticos, nenhum desses compromissos foi cumprido até o presente momento. O calendário avançava rapidamente, entrando na época das festas de final de ano e das férias de verão, com todas as dificuldades de mobilização e de recurso às autoridades públicas próprias desse período do ano. A vida na prisão, entretanto, não tem férias. Apesar do término das torturas físicas, não ocorreram no interior da Penitenciária de São Pedro de Alcântara mudanças concretas no sentido da melhoria das condições dos encarcerados. Com exceção de alguma melhora no tratamento dos familiares que visitam os presos e da alocação de uma médica que trabalha na unidade durante as tardes, o que ocorreu foi manutenção de uma série de restrições que já vinham desde o mês de novembro, como a retirada das televisões e dos rádios e a saída para o banho de sol no pátio negada por um longo período e depois autorizada uma vez por semana para cada ala. Problemas como falta de água potável, a falta de kits de higiene, falta de assessoria jurídica, falta de atendimento médico continuaram sem resposta. A expectativa de mudanças rápidas gerada pelas visitas realizadas pelas autoridades no final de 2012 acabou alimentando novamente a tensão interna na prisão. A demora na conclusão dos inquéritos policiais das denúncias de tortura, o fato de os agentes envolvidos nos fatos de novembro seguirem trabalhando normalmente na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, a notícia da possível promoção do ex-diretor Carlos Alves ao cargo de chefe do grupo intervenções táticas no sistema prisional e a ação do grupo de intervenção tática torturando presos no Presídio de Joinville, denunciada com a publicação de um vídeo que chocou a opinião pública nacional, acirraram ainda mais a situação no sistema prisional catarinense. O resultado está nas capas do jornais catarinenses dos últimos 15 dias: mais uma vez o tensionamento interno existente no sistema prisional transbordou sob a forma de ataques violentos aos ônibus, às unidades de segurança e às casas de agentes da segurança pública e do sistema prisional.

4. Qual a origem desse tensionamento? Se o sintoma está na segurança pública e o estopim no sistema prisional, a busca das raízes do problema exige um olhar que consiga enxergar para além da conjuntura das últimas semanas ou dos últimos meses. É preciso compreender a política penitenciária do Estado de Santa Catarina no marco das tendências estruturais do sistema penal do capitalismo dependente tal como se constituiu historicamente no Brasil. A desigualdade brutal de uma sociedade marcada pela superexploração do trabalho e pela marginalização social massiva é refletida no funcionamento estruturalmente seletivo do sistema penal: desde o conteúdo das leis penais, passando pela atuação dos órgãos policiais, do sistema de justiça e culminando no sistema prisional, o alvo privilegiado é a camada marginalizada da classe trabalhadora. Um breve olhar sobre os dados atualizados do sistema penitenciário brasileiro basta para verificar o verdadeiro genocídio que atinge a população pobre, negra, jovem e de baixa escolaridade. Encarceramento que no primeiro semestre de 2012 alcançou a marca de 549.577 presos no país, um crescimento de 511% entre os anos de 1992 e 2012 e de mais de 6% apenas nos últimos seis meses. Precisamente o período histórico de aprofundamento do capitalismo dependente no Brasil, com a reestruturação produtiva capitalista que expulsou ainda mais trabalhadores do mundo produtivo e com a transformação regressiva do Estado brasileiro sob o influxo das políticas neoliberais, que desmantelaram as poucas estruturas de um Estado social que sequer chegou a existir plenamente em nosso país. A alternativa do Estado brasileiro para o controle da crescente massa de desempregados, subempregados e marginalizados tem sido o a expansão do sistema penal, um problema que cobre todo o período histórico das últimas duas décadas e a realidade de Santa Catarina não é uma exceção em relação ao resto do país.

3. A perversidade do sistema penal vai além de sua seletividade classista e racista, pois o sistema cumpre funções ativas que não apenas reproduzem, mas aprofundam a desigualdade da sociedade capitalista. Para além da leitura do sistema penal a partir de suas funções declaradas de retribuição, intimidação ou ressocialização, o fato é que muito mais que combater a criminalidade, o que o sistema penal faz efetivamente é criá-la e reproduzi-la de modo ampliado, recrutando mais e mais marginalizados criminais entre a massa de marginalizados sociais que sobrevive nas periferias das grandes cidades brasileiras. O estigma carregado pelos marginalizados criminais os sujeita ainda mais à superexploração no mercado de trabalho: após a prisão, quando conseguem emprego, é sempre o de mais baixa remuneração (servente de pedreiro, limpeza em empresas de serviços terceirizados etc.); no próprio interior das prisões, com os famigerados programas de trabalho, as mesmas empresas que negam trabalho ao ex-condenado pagam salário mínimo ao preso por funções que no mundo livre são remuneradas por muito mais. É dessa forma que o sistema penal vai criando a matéria humana de que se serve o crime organizado para levar a cabo os seus negócios, intimamente relacionados com interesses econômicos e políticos da própria ordem capitalista (tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro, grupos de extermínio, sequestros, atentados etc.). Por trás da ilusão de segurança e de combate ao crime, a punição as ilegalidades visíveis praticadas pelos pobres encobre a vasta ilegalidade invisível das grandes organizações criminosas ligadas à acumulação de capital e à própria gestão do Estado capitalista. A perversidade grotesca é que a absoluta maioria dos trabalhadores empregados na segurança pública e no sistema prisional é também recrutada nas classes populares: pobres matando pobres, enquanto a classe dominante segue cuidando tranquilamente de seus negócios legais e ilegais!

5. Diante dessas tendências estruturais do sistema penal capitalista, qual o papel da política penitenciária aplicada pelas autoridades catarinenses? Qual a responsabilidade do Governo Estadual, da Secretaria de Justiça e Cidadania e do Departamento de Administração Prisional nesta crise? A política penitenciária é uma das dimensões da política geral do Governo Estadual. E a política é sempre uma questão de escolha entre alternativas colocadas pelo próprio desenvolvimento histórico anterior. Pode um governo de perfil regressivo em relação a todos os direitos e conquistas civilizatórias da classe trabalhadora como o governo do senhor Raimundo Colombo manter uma política penitenciária progressista, fundada no respeito à dignidade humana e na reintegração entre preso e sociedade?  Qual é, em suma, o perfil da política penitenciária levada a cabo pelo Governo de Santa Catarina?

Florianópolis, 15 de fevereiro de 2013

Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Frente Antiprisional solicita retificação em reportagem do Diário Catarinense e manifesta repúdio aos atentados da última semana.

Ao Diário Catarinense e ao Povo de Santa Catarina,

A Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina vem por meio desta nota solicitar a retificação das matérias "Sistema Carcerário. Melhorias identificadas na prisão de São Pedro de Alcântara" e "DC acompanha vistoria do TJ na Penitenciária de São Pedro de Alcântara" veículadas respectivamente nas edições impressa e virtual do Diário Catarinense do dia 08 de fevereiro de 2013, bem como levar ao conhecimento do público em geral que as Brigadas Populares não são uma Organização Não Governamental - ONG, tal como mencionado nas referidas matérias. As Brigadas Populares são uma organização política que busca a organização e conscientização do povo trabalhador para construção de uma pátria soberana e socialista. Consideramos compreensível o equívoco, dado tipo de humanitarismo que tem marcado  historicamente o cenário da questão prisional em nosso país. Ao contrário das ONGs, de seu assistencialismo e de sua incapacidade de colocar as vítimas do sistema prisional como sujeitos de uma ação política transformadora, as Brigadas Populares propõe-se a contribuir para a transformação do sistema penal com a construção de um movimento político, pacífico e organizado de familiares e amigos de presos. Foi assim que no último mês de novembro a ação decidida do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade colocou na cena pública às denúncias de tortura na Penitenciária de São Pedro de Alcântara. Situação ainda não superada completamente e que tem sim relação com os fatos que vem chocando a população catarinense desde a última semana, eis que os inquéritos policiais ainda não foram concluídos, os responsáveis seguem sem qualquer tipo de sanção e segue sendo aplicado o conjunto de restrições a que os presos são submetidos em São Pedro de Alcântara desde o ano passado. A notícia da possível promoção do ex-diretor Carlos Alves ao cargo de chefe de um grupo intervenções táticas no sistema prisional, antes mesmo do término do inquérito policial, e a ação do grupo de intervenção tática torturando presos no Presídio de Joinville, denunciada com a publicação de um vídeo que chocou a opinião pública nacional, acirraram ainda mais a situação no sistema prisional catarinense. Por fim, manifestamos aqui nosso repúdio aos atentados que vem sendo perpetrados em nosso estado desde a quarta-feira dia 30 de janeiro de 2013 e prestamos nossa solidariedade às vítimas da violência. Somos firmemente contrários ao uso de métodos violentos e terroristas que apenas aprofundam a distância entre as vítimas dos sistema penal e as classes populares e não contribuem para o avanço das tranformações necessárias. Para as Brigadas Populares a luta contra o sistema penal é uma luta política, uma luta de classes que precisa envolver todo o povo trabalhador para conquistar vitórias reais.

Florianópolis 08/02/2013

Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Em Santa Catarina tortura é premiada? - Carta do GAFPPL-SC

A Penitenciária de São Pedro de Alcântara desde sua inauguração “é tido como um estabelecimento de castigo no Estado, onde são recorrentes denúncias de tortura, maus tratos, isolamento prolongado, ociosidade, truculência e destrato dos familiares” - diz o recente relatório da Ouvidora Nacional do Sistema Penitenciário, do Ministério da Justiça. O relatório é resultado de uma visita feita ao estado ano passado, motivada pelas denúncias de tortura em São Pedro, realizadas em novembro. 
 
O relatório recomenda à Secretária de Justiça e Cidadania que afaste o Sr. Carlos Alves (ex-diretor da penitenciária) de atividades relacionadas diretamente ao cotidiano do sistema prisional, inclusive de formação de agentes, enquanto transcorrer a apuração das denúncias. E aos promotores e delegados responsáveis que dêem continuidade ao processo de investigação das denúncias de tortura “não corroborando com o triste quadro de silenciamento dos órgãos públicos diante do abuso de poder de servidores” contra pessoas em privação de liberdade.
Carlos, a época diretor da unidade, foi pivô do escândalo de tortura do ano passado e apenas depois de muita pressão do movimento pacifico dos familiares foi afastado do comando do complexo. O ex-diretor já contava com denúncias de tortura e maus tratos e está até agora sendo investigado por tortura e abuso de poder contra os detentos de São Pedro, o que resultou em 69 laudos de tortura e maus tratos durante sua gestão. Apesar disso, o caso parece ter sido esquecido. Foi noticiado em 14 de janeiro como certa a promoção de Carlos do Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, para coordenar um Grupo de Intervenções Táticas no sistema prisional que abrangerá todo o estado. O DEAP desmente a indicação de Carlos, uma vez que o grupo ainda não fora criado, entretanto considera-o apto e um dos melhores nomes para assumir o cargo.
Desde então fica a dúvida: A tortura é premiada em Santa Catarina? O silêncio das autoridades diz tudo: em novembro o Governador Raimundo Colombo e a Secretária Ada de Luca, não se pronunciaram publicamente sobre os crimes de tortura ocorridos em São Pedro. Hoje, não se pronunciam e permitem que Carlos seja cogitado para uma promoção. Durante as marchas pacíficas que fizemos em novembro gritávamos: “Governador mas que loucura, você não faz nada contra tortura”. Mas, parece que a tortura e o abuso de poder são a base da política prisional de Santa Catarina.
Embora, o caso esteja sendo abafado e o Estado pareça ignorar o inquérito que ainda corre, nós não esqueceremos. Foi a mobilização política e pacífica dos familiares que, em novembro, não deixou passar em branco a barbárie que ocorria dentro dos muros da penitenciária. Com muita luta política conseguimos que as autoridades estaduais começassem a investigar o que ocorria e inspecionassem o presídio. Os laudos da 2ª inspeção desmentem que as lesões dos apenados tenham sido produzidas pela contenção de um possível motim, como foi noticiado pelo DC. A tortura existe em Santa Catarina e nós não deixaremos que ninguém a esqueça.

Reiteramos: seguiremos na luta política e pacífica pelo rigor do inquérito dos crimes de tortura em São Pedro, contra uma política penitenciária centrada na violência, contra uma sociedade que precisa o tempo inteiro empurrar o povo trabalhador para atrás dos muros de uma prisão.

Tortura, nunca mais! 

Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade – SC